Um conto de terror

Por: Marcos "Marcuccio" Caiafa em 06 nov 2016
Cemitério do futebol?

Finados. O feriado contido. A reverência, a dor e a saudade no lugar da euforia.
Hora mais que apropriada para uma visita ao cemitério. Do futebol.

Cemitério do futebol? É isso aí. Ele existe (e como existe...)
Já vi muita coisa na minha vida (quero ver muito mais, claro). Coisas inebriantes, como aquele chutaço redentor, apoteótico do nosso eterno capitão do tri no México, nosso Carlos Alberto Torres. Como se ele imprimisse naquele tiro indefensável um 'exorcismo' ao Maracanazo, vinte anos antes. Vi e revi - como muitos outros - aquele quarto gol, quando o "Capita" nos deixou. E, olha aqui, falando nisso, a primeira lápide que vemos no Cemitério do Futebol:

"Aqui jaz o FUTEBOL ARTE". Nem sei direito quando ele morreu. Uns dizem que foi morto na Espanha, em 1982, três tiros à queima-roupa de Paolo Rossi... Outros, que os alemães o mataram, em 1974, com seu futebol 'de resultados', burocrático, quase científico. E pararam o belo Carrossel Holandês. Ou será que foi quando as peneiras dos craques autodidatas, de pés descalços, foram substituídos por mocinhos bem-apanhados, com seus empresários à tiracolo? Sei lá. Deixa eu continuar caminhando.

Outra lápide - e bem ao lado da do futebol arte. Acho até que morreram juntos...
"Descanse em paz - AMOR À CAMISA". A data do falecimento tá borrada também, não consigo ler. Acho que ele morreu quando misturaram futebol com negócio. Muitos se envenenaram com isso.
Vou fazer um minuto de silêncio pra ele.

Mais à frente, um enorme mausoléu. Impressiona mesmo, é imenso, de mármore e vitrais importados, deve ter custado uma nota... Mas de tão grande e majestoso, mal dá pra se ver o que está escrito na lápide, as pessoas só de longe podem acender velas e jogar flores... Opa, desculpa, não pode não... Os seguranças que cuidam desse mausoléu cuidam pra que ninguém JOGUE NADA, ninguém fale muito alto. Tô curioso. Vou ter de perguntar pra alguém de quem é esse túmulo. "Ué, moço, é dos ESTÁDIOS TRADICIONAIS..."
Que burrice a minha. Um mausoléu com tanta ostentação e preocupado em manter as pessoas longe só podia ser deles mesmo. Quem os matou devia ter muito dinheiro. Esse túmulo parece uma ARENA.

Em contraste, quase invisível, um túmulo chamou minha atenção. Ah, é só uma cova, mas já tem uma lápide "Em breve aqui descansarão os CAMPEONATOS e os TORNEIOS REGIONAIS". Tem um coveiro vestido de amarelo ali. Vou ter de perguntar de novo. "Ué, por quê essa cova aqui?"
- Ah, eles estão morrendo sozinhos, né? Ninguém repara mais neles, principalmente os que não são da série ou divisão principal. A gente já abriu a cova pra poupar tempo...
É, escutei mesmo uns boatos que tem uma tal de mídia matando muito campeonato, país afora. Que o que importa mesmo é time de massa. Time de massa? Que massa? Pastel? Gnocchi? Ah, vá...

Nossa, que cemitério estranho, esse. E o pior é que eu nem lembro como vim parar aqui.

- O pai, tá na hora... (Ué, Isa, minha filha, o que você tá fazendo aqui?)

- PAI, TÁ NA HORA... Tava sonhando, é, pai? Com o quê?

Deixa, filha. Nem foi um sonho. Foi um pesadelo. Destes de filme de terror, de halloween.

E o pior é que mesmo acordado esse pesadelo me persegue.

Foto Autor
Marcos "Marcuccio" Caiafa
Paulistano, juventino, exilado em Curitiba. Escreve para a página Casa Nostra, no Facebook

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